Crônica Sobre a Homofobia


No dia 06 de julho de 2010 o jornal Folha de São Paulo divulgou a notícia sobre o envolvimento de skinheads cariocas na tortura e morte do adolescente Alexandre Thomé Ivo Rajão, tudo indica que o grupo tem envolvimento com o caso (assim como a outros casos de agressão a homossexuais da zona sul do Rio), pois “cartilhas” incitando a homofobia foram distribuídas pela periferia do Rio de Janeiro.


Bom, até aí não há nenhuma novidade, visto que este subgrupo genérico e expatriado da Europa sustenta sem nenhum constrangimento sua ideologia tacanha em alto e bom som, no entanto, este ato carrega consigo não apenas uma retórica cega e fanática, mas também uma sentença atestada pela intolerância de nossa sociedade demonstrando o quanto é frágil nossa democracia. Não se trata somente de vítimas ou culpados, se trata das causas que levam a cultivar o ódio, seja ele “simples” e “inocente”, despercebido em forma de piadas feitas entre amigos contra o “outro” ou o “diferente” à até aos modos metodicamente sistemáticos de aniquilação de determinados grupos, como por exemplo, o III Reich Nazista durante a Segunda Guerra Mundial, o Apartheid na África do Sul, o Massacre de Ruanda e na Bósnia, entre outros episódios vergonhosos de nossa história contemporânea.


Na referida matéria os próprios skinheads se defendem alegando que sua intolerância se iguala a de qualquer católico ou evangélico, bem, por esta fala podemos perceber que os séculos das trevas ainda assombram nossas vidas... É a reconfiguração do ódio herdado e refinado aos moldes modernos, se reutilizando de velhos dogmas amalgamados a frustrações, sintomático de um país sem memória histórica e política ainda se arrastando sem identidade rumo à Belle Epóque.

Entretanto, o mais interessante neste artigo publicado pelo jornal foi a análise feita pelo antropólogo Sérgio Carrara sobre a ação cometida pelos skinheads, onde aponta para a falta de estudos como a maior tendência para práticas de atos de intolerância, quer dizer, estamos tratando aqui de burrice pura e simples quando o assunto é racismo, homofobia ou xenofobia. Ou seja, não é necessário teorizar para entender que quem não tem capacidade de entender a questão da outricidade são aqueles que menos lêem, menos estudam e logo, menos pensam, em resumo, são ignorantes do próprio processo social e alienados em potencial, pois apenas: reproduzem-cegamente-e-sem-questionamento-um-discurso-cristalizado-em-verdade-absoluta.


É sempre o velho processo de uniformização caduco-tacanha em ação tentando negar todas e quaisquer possibilidades de autonomia e liberdade a quem tem direito e a aqueles que ousam viver a própria vida. É a nossa herança eurocêntrica (importada como todos nós) que timidamente se disfarça de matéria prima nacional tentando por “ordem na casa” e com um toque de jeitinho brasileiro jogar a sujeira para baixo do tapete e culpando mais uma vez o vizinho.

O Resto É Ruído "Como O Brasil Criou O Gênero Mais Feio do Rock"

Pois bem, como nada se cria e "tudo se copia", estou ripando (e seguindo a velha máxima copyleft do "copie e distribua" que imperava na cena Noise daqueles anos)uma matéria muito interessante sobre Grind e Noise Core no Brasil que acabei de ler, uma verdadeira aula de história underground! A matéria foi originalmente feita por Arthur Dantas, da revista Vice e posteriormente postada no site da Extreme Noise Discos pelo Marcelo (Rot) Batista.



Grindcore, a fronteira final. O dadaísmo virou a arte de ponta cabeça e a negrada dos Estados Unidos colocou a música popular em um nível de sofisticação antes visto apenas na música erudita - ainda que um filósofo alemão chato dissesse que aquela música, o jazz, vinha dos macacos, nas árvores... Mas o Brasil deu sua contribuição ao rock com um estilo que é um verdadeiro soco no ânus de seu irmão mais comportado.
Agressão, sujeira e feiura estética, repulsa e desilusão em seus temas, radicalismos aos montes em sua ideologia. Sim, essa versão desglamurizada e problemática do rock, até o momento, teve sua paternidade atribuída aos pais errados: o rebento feio e desagradável ainda por cima é bastardo. Se isso é mero erro ou má-fé não nos interessa. É a Vice que tem o prazer de rufar tambores em cadência blast beat e gritar, em bom vocal gutural incompreensível: o grindcore é coisa nossa! Longe de nós querermos colocar o grindcore em lugar nobre ao lado do samba. Relaxa: reclamar o teste de DNA do mais radical e iconoclasta dos estilos do rock é o pretexto pra falar do quão específico e curioso é o grind no Brasil. Se essa porra alcançou status de arte, a culpa é nossa.
Curioso é que nossos compatriotas mais afeitos ao gênero nunca quiseram ou souberam reclamar a paternidade do monstrinho. Complexo de vira-lata? Memória curta? O que não faltariam são indagações para entendermos melhor tamanha ignorância. O país que elevou o extremo barulho roqueiro ao status de arte ainda tem problema com o assunto. Converso com Fábio Mozine, baixista do Mukeka Di Rato e João Gordo magro do punk atual, um dos artífices do “hardcore tosco capixaba” - subgênero bagaceiro de rock devedor evidente do grindcore.



Vice: Qual foi a primeira banda grind do Brasil?
Fábio Mozine: Hm... Boa pergunta. Deixe-me refletir: o Rot fazia isso desde 1991? Porém, antes deve ter mais gente, vale banda metal que tinha bateria blast beat (a famosa britadeira)?

Aí pode ser o Sarcófago.
Mas nos anos 80 deve ter uns noise industrial da vida...

E o Brigada do Ódio?
É anos 80. Desgraceira pútrida, Brigada do Ódio é desgraceira total.

Desgraceira. Ok, seu herege. Vou atrás agora do Rodrigo Rosa, baterista do refinado e politizado Ordinaria Hit, que no passado defendera as baquetas de diversos grupos barulhentos e foi ferrenho divulgador do grind em fanzines ainda no interior de São Paulo. O hoje acadêmico especializado em anarquices também foi inquirido por mim sobre o Brigada do Ódio.

Vice: Quando você conheceu o Brigada?
Rodrigo Rosa: Conheci bem depois [de conhecer bandas estrangeiras de grind], nem gostava muito, era todo desconjuntado. Hoje entendo melhor e faz um tempão que gosto bastante. Mas conheci por causa do [LP] split com o Olho Seco.

E você considerava o Brigada uma banda punk ou grind?
Punks tocando grind, que é diferente de somente grind, saca?
Mas o termo grind nem existia quando eles lançaram aquele disco...
Nem sei, é? Então eram punks que tocavam um som desconjuntado!? [risos]


A capa do Brigada do Ódio. Era um split LP com o Olho Seco, cujo lado chamava Botas Fuzis Capacetes

Desgraceira, desconjuntado, punks tocando grind... Malditos nativos que não sabem distinguir uma pedra de ouro de um espelhinho! Terceira tentativa: para Ruy Fernando, ex-vocalista e liderança straight edge por trás do No Violence, finada banda paulistana pauleira que uniu hardcore europeu aos urros e bateria tipicamente grind e recebeu um lugar ao sol na inglória história do gênero no país. Sua visão sobre o Brigada é a seguinte: “Eles são uma coisa doida, deram uma acelerada nas músicas e as desconstruíram totalmente buscando um caos musical. Não sei se é necessariamente uma banda que gerou o grind, pois a estrutura do que veio a se chamar de grind é diferente da estrutura do que eles tocam, que é meio minimalista”.

OK, OK. Eu, o jornalista mequetrefe sedento pelo furo de reportagem proposto pelo meu editor, já entregava os pontos, quando me lembrei da lenda, do mito, daquele-que-todos-falam-com-reverência, Marcelo Batista, 39, ex-vocalista do Rot, um dos mais ferinos e influentes letristas do gênero, fanzineiro e militante do grind desde os tempos mais remotos, o cara que comandava a catarse coletiva da molecada feia e mal-ajambrada - eu, incluso! - nas gigs do Rot por porões fétidos e bares nas periferias durante mais de 15 anos e hoje é o dono da loja de extremismos roqueiros chamada Extreme Noise (homenagem ao Extreme Noise Terror, barulhenta banda inglesa oitentista), localizada em uma galeria próxima à sua irmã mais famosa, Galeria do Rock, no Centro de São Paulo. Que me desculpem os traidores do movimento, os historiadores anarquistas e os advogados que não bebem e nem curtem um churrasco e suas frases obtusas ou elaboradas demais - a César o que é de César. Duas visitas à loja do Marcelo, um pouco mais de uma hora de entrevista com o mesmo e dezenas de horas depois pesquisando em zines, livros, internet, fitas k7, LPs e CDs, posso botar a mão no fogo e defender sim: o grindcore foi parido no ABC paulista, por quatro garotos punks em 1983 e registrado em LP em 1985 sob a marca Brigada do Ódio, ao lado do Olho Seco, uma das mais influentes bandas punks brasileiras. Que queimem no inferno black metal todos os gringos e suas (garanto: muitas mesmo!) teorias eurocêntricas e bem nascidas sobre o grindcore. Muito provavelmente o odor podre daquela novidade estética esdrúxula e atordoante, aliado à nossa contumaz e tropical má-vontade para crer nos santos (péssima analogia) locais cobertos de fuligem da mesma região que viu o nascimento do líder barbudo querido da revista Time, fez com que nós passássemos décadas dando os louros a quatro metaleiros feiosos ingleses sob o logo melhor valorizado no mercado cultural Napalm Death. Se o capital é Deus na pós-modernidade, o grind é o iconoclasta anabatista a vociferar, como fizeram os barulhentos baianos do Bosta Rala em péssimo falsete: “Deus não existe, ele é um idiota!”

“A gente toca o que vem na mente porque, quando a gente tocava originalmente, só se falava de punk. Aí começaram a falar de hardcore, grindcore, mas, se você for se preocupar com isso, você vai ter que fazer uma pós-graduação, porque eu não estou entendendo mais nada.” Esse depoimento de Wilson, baixista do vanguardista Brigada do Ódio, pescado em relato de 2001, é sintomático: se até os pais da criança estão confusos, ao leitor deve soar como filosofia alemã todo esse papo através de um universo underground e hermético tão árido quanto o do grindcore e seus assemelhados. Na conversa com Marcelo Batista, muita coisa se explica, outras se complicam. Mas nem esquenta: se você aguenta seis temporadas de LOST, vai achar tudo aqui muito fácil. É ler e baixar/pesquisar em seu computador.


Vice: Em qual contexto se deu sua entrada na cena de música grind em São Paulo?
Marcelo Batista: Nos anos 80, em Osasco, eu andava com um pessoal que não era muito bem visto porque curtia metal, mas gostava também de Discharge, GBH, Ratos de Porão...

Crossover, a mistura de trash metal e hardcore, né?
É, mas nem existia esse rótulo pra gente; o lance é que eu gostava de barulho. Foi como quando escutei Terveet Kadet em 1985, 86 - era daquilo que eu gostava! E o metal tava se tornando algo grande, mainstream, eu tava perdendo o interesse naquilo. Me interessava pelas bandas pequenas, desconhecidas. Logo quando entrei no Senai em 86, um cara me emprestou uma fita k7 com Chaos UK e Extreme Noise Terror. Quase caí de costas quando escutei aquilo. Daí fui atrás de outros grupos como Heresy, o Napalm Death.

Era muito difícil ter informação sobre essas coisas por aqui.
Muito difícil. Eu era muito interessado no underground, fiz meu primeiro fanzine em 1986, comecei a me corresponder com gente daqui e do Exterior. Eu comprava uma revista holandesa chamada Metal Force e vinha um pôster na revista. No verso do pôster vinha a seção de cartas e você marcava as pessoas que gostavam da mesma coisa que você e se correspondia por carta. Daí fui conhecendo rápido outras bandas, Agathocles, Fear of God, o noise. Carta pra lá, disco e fita daqui, eu recebia uma média de 50 cartas por semana.

Quando você viu pela primeira vez a palavra grindcore?
Quando eu resenhei a fita k7 do Napalm para o meu fanzine da época, eu chamava aquilo de ultra loud and fast hardcore, que era um rótulo que usei na época. Quando saiu o disco aqui, o Scum, peguei primeiro o vinil e a capa 15 dias depois na loja [risos]. No início, esse disco era motivo de zombaria no Brasil. Quando o Napalm veio tocar aqui em 1990, o grind já era bem visto pelos metaleiros e era quase que obrigatório todo metaleiro ter um projetinho barulhento, grind. A galera do interior, que era mais radical, odiava esse povo. Tem registro de show do Extermínio Brutal que eles expulsam um cara com camiseta do Sepultura do show [risos].

Tem essa lógica inversa do grind ao mercado em geral, onde quando você alcança o maior número de pessoas isso sinaliza sucesso. No grind menos é mais em todos os aspectos.
O pessoal do noise morreu aqui no Brasil por causa disso: eles divulgavam noise só pra eles mesmos, um lance de irmandade. Agora apareceu um noise chamado Praia de Vômito [poucos dias depois dessa entrevista, a banda acabou], mas tem pouca relação com o povo antigo que acabou matando o estilo aqui.


Encarte do Brigada do Ódio no LP split. O lado do Olho Seco todo mundo chamava de Bosta Fudi Meu Cacete.

Ah, a garotada, sua testosterona, a falta de mulher, os radicalismos! Não daria pra não falar de alguns causos curiosos desse gênero obscuro no Brasil. A cena grind/noisecore no Brasil era muito grande - tinha gente do Amazonas até o Sul pisando fundo no acelerador e pouco se lixando pra habilidade nos instrumentos. Aliás, muito da cisão e má vontade em relação ao grind vem dessa visão pernóstica e punheteira de que música é algo para quem sabe tocar. Vamos lá, galera: que papinho mais início de século 20! É por essas e outras que música noise acabou ficando na mão de uma garotada bem nascida e com ambições artísticas - nada contra, mas o buraco aqui é bem embaixo. Desde o Sonic Youth, pelo menos, ficou cool fazer barulho. Então vamos mostrar o que faz do Brasil um lugar tão idiossincrático e destemido de gente que não desiste nunca.

Assim como o baterista do Napalm Death diz ter criado o termo grind em razão das músicas do Swans (uma banda da cena art noise de Nova York de onde saiu o Sonic Youth), nós podemos dar um toque mais vanguardista e colocar como pedra fundamental da antimúsica no país os mais de 20 discos lançados pelo ex-marinheiro e ex-cafetão Damião Experiença. A lembrança de seu nome, inclusive, veio do próprio Marcelo do Rot. Com seu estilo mendigão, dreads sujos e grisalhos, e suas frases impronunciáveis no dialeto do planeta Lamma, a lenda de Ipanema tá na estrada desde 1974 e tem sua carreira dividida em cinco fases por uma legião damiônica de fãs. A primeira fase, minimalista, contava com gravações do dialeto Lamma e com violões de uma a cinco cordas. A segunda fase é a mais “zen”, com odes acústicas ao Hitler, aos cornos, ao Fidel e ao planeta Lamma - tudo isso em três idiomas diferentes. A terceira fase sobrepõe quatro ou cinco faixas acústicas previamente gravadas, e o resultado é caos polifônico. E por aí vai.

Nos anos 90, os anarcopunks soteropolitanos do Bosta Rala marcaram época com seu som misto de grind, Raul Seixas e Damião Experiença e punk 80 brasileiro com letras que tratavam sobretudo da brutalidade da ação policial - seu maior hit foi a música PM Idiota. O curioso é que a garota nos vocais fazia as vozes graves e o homem os falsetes. Aliás, um dos integrantes do grupo foi morto em condições não-explicadas até hoje por um policial. Por que será, hein?

Mais recentemente, os paulistanos do Rattü Mortö, outro grupo grind/noisecore divulgadores e entusiastas da arte damiônica, ganharam espaço ao criar um verdadeiro teatro do absurdo em apresentações ao vivo, e entraram pelas portas dos fundos no mundo da alta cultura. Um artista sonoro experimental realizou uma performance na Galeria Vermelho onde gritava “Na Galeria Vermelho não toca Rattü Mortö”. O grupo grindnoise paulistano - ou, como eles preferem, “pioneiros na antimúsica conhecida como esgotocore, uma sinfonia tocada com ‘instrumentos’ feitos de refugo achado nos entulhos e depósitos de lixo” - faz duas ou três apresentações por ano nos mesmos buracos de sempre e não se rendeu a um possível oba oba da modernagem descolada local e segue divulgando seu CD-R em papel para embrulhar pão.

Nesse universo de poucos tons e muita opinião, venenos sobre tudo, se proclamar anti alguma coisa era missão de fé. Parece até piada, mas os gaúchos de Pelotas do Carnegus, “banda antimulher e pró-estupro” diziam, em release de 1992, que “nossa visão de humanidade nos fez notar a idiotice que eram coisas como namoro, amor, sexo, enfim, todas essas nojeiras coletivas que fazem do mundo uma coisa mais estúpida ainda. (…) Não aceitamos contato com a espécime por nós tida como inferior (mulher)”. Pode ser brincadeira, mas não consigo medir o que seria mais bizarro, a realidade ou a fantasia.

Mas nem tudo são vozes guturais e ideais esdrúxulos por aqui. O Purulence, quarteto grind do interior de São Paulo (Rio Claro) se destacou por sua formação feminina; não conheço nenhum outro grupo feminino de grind no planeta. Gritando pelos diretos femininos e contra o sistema, as Irmãs Galvão da música feia lançaram algumas demos e um compacto em vinil que vale cem reais em site de leilão na internet. Se tua filha não tiver um talento musical reconhecido por conservatórios musicais, incentive-a: estão aí exemplos de Purulence até Mallu Magalhães que poderão te render algo no futuro.

Ruy Fernando, o straight edge do começo do texto, lembra de uma história curiosa em um show de sua banda, No Violence, em 1990. “Tocamos num skate park na zona norte de São Paulo, e foi a primeira vez que vimos uma banda que se dizia grindcore. O vocalista apresentava as músicas em vocal gutural, o que fazia com que ninguém entendesse nada do que ele dizia, parecia que era uma música só com diversas paradinhas dos instrumentos e um solo de vocal gutural, só depois de uns cinco sons é que fomos entender que a paradinha era o fim da música e o gutural solo era o nome da próxima.” Um amigo meu do interior de Minas relembra outra parecida. Havia um duo noisecore chamado Masher que, definitivamente, não sabia tocar NADA. Assim, barulhos de 10 segundos eram entrecortados por explicações desses mesmos intermináveis, aquela ladainha de fanzine punk adolescente contra o sistema e a sociedade. Se esses não viraram pastores estão perdendo dinheiro. Voltemos à vaca fria...



Vice: Explica essa distinção do grind que vem do punk e o que vem do metal?
Marcelo Batista: Historicamente, o grind é basicamente uma galera que gostava de metal, mas estava descontente com aquilo e gostava da pegada do hardcore, se interessava por política. Era uma mistura de Repulsion, Lärm, Asocial, Napalm Death, Agathocles, Fear of God. No caso do Napalm, que foi a banda que mais se destacou, acabou ficando cada vez mais metal. E isso fez com que uma leva de grupos sem relação com o hardcore aparecesse, como tudo depois do Carcass, o Morbid Angel. O Sarcófago era uma banda de metal muito à frente de seu tempo.

E aí teve uma cisão mesmo: o grind mais político e o grind mais metaleiro?
É. A cena grind mais política durou até 1998 - não que seja inexistente hoje, mas é esquisita. Tem ainda o Agathocles... Mas são bandas que correm por fora, assim como foi com o Rot. O pessoal hoje gosta de Nasum (banda sueca que destrinchou o grind feito inicialmente pelo Napalm Death e ganhou uma legião de fãs fanáticos) pra frente, esse grind mais moderno. E o pessoal que veio depois nem sabe da existência de um Agathocles, por exemplo. É igual ao que rolou com o black metal - tem gente que ouve o estilo hoje e nem gosta de Venom.

E no caso específico do Brasil?
É um grind mais técnico, metalizado, mas a cabeça deles não é como a da minha geração. O Rot resistiu 15 anos pra aparecer na [revista clássica dos cabeludos] Rock Brigade, nunca quisemos ir na MTV. Hoje se aparecer uma brecha a molecada tá lá, perdeu aquela coisa do radicalismo.

É engraçado que eu não consigo desvencilhar o grind e todos esses gêneros mais violentos de algum tipo de radicalismo, porque esteticamente a coisa é uma afronta, ninguém tá ali buscando beleza no sentido clássico do termo...
Na história da música sempre ouve isso: o hardcore veio e comeu o punk rock. E o hardcore foi levando até o extremo e chegou-se no grindcore e noise e foi a morte do hardcore também, como diz o Eric do Fear of God. Essas bandas deram origem a coisas que não tinham mais a ver com o hardcore.

O que te levou a tocar grind e não punk, por exemplo?
Eu nunca quis ter uma banda, nunca foi minha ideia, mas em 89/90 o pessoal lá de Osasco precisava de vocalista e me chamaram. E se eu fosse tocar numa banda naquela época ia querer tocar algo como Extreme Noise Terror, Olho Seco, Brigada do Ódio. E eles eram mais do metal. Daí a gente dosou. E foi o que aconteceu com o Napalm Death também.

E com quem o Rot tocava no início?
Normalmente era o pessoal do metal. Mas tocamos com o Ameaça Nuclear, o Final Terror, que eram bandas que já estavam na mesma sintonia do que nós. A gente tocava muito com uma banda de metal chamada Pentacrost.

Quando comecei a ouvir falar do Rot, em 1994, vocês já tocavam com o pessoal do anarcopunk, do hardcore mesmo.
Mas voltando um pouquinho, nessa coisa de tocar junto com o pessoal do metal, surgiram umas bandas como Necrobutcher (depois “corrigiram-se” com o SRMP), Mayhem Decay Cudgel... Bandas que citavam Bathory, Sarcófago, Napalm: bandas que estavam na esfera do metal. O Rot corria por fora. Lembro de cara falar “o compacto de vocês é legal, mas vocês nem usam visual”. Porque a gente usava as roupas que tinha, de trabalhar. A nossa visão do grind já era um lance muito hardcore. E eu vi a J.L. (Juventude Libertária, agrupamento radical da época) nascer, o anarcopunk, mas a gente fazia as coisas do jeito que queria, não queria ter o rabo preso com ninguém. A gente continuou tocando com todo mundo. Até os últimos dias com o Rot você via todo o tipo de gente em nossos shows. O pessoal do metal ficou bem distante, mas a gente continuou tocando com eles também.

E aquela história do manifesto que você escreveu?
Foi em 1991. Eu via bandas como o Necrobutcher, Extermínio Brutal, mas não era o que eu via de grindcore lá fora. Escrevi o manifesto, o Rot ficou malvisto por muitos etc. Mas aquilo plantou uma sementinha de que dava pra fazer algo grind sem ter que falar de satanismo etc. que eu achava e acho bobo. E começaram a surgir bandas como Hinfamy, No Sense, Death Slam, Bones Erosion, entre outras que já tinham esse lance mais hardcore como nós.

E a coisa toda cresceu muito no interior...
Cara, tinha banda barulhenta em todo lugar que você imaginar. Minas Gerais, Bahia... Todo lugar tinha banda noise, grind; o auge foi entre 1993 e 96. Todo mundo lançava muito compacto, fita K7, fanzines.

Além do estilo musical, há outros traços que distinguem o grind/noise?
Uma característica muito forte era esse lance de trocar fitas, de irmandade. Isso se perdeu com o tempo, a internet foi importante nesse processo. O Rot pegou o último foco da cena de tape traders (trocadores de fitas k7) - o Napalm Death se serviu muito dessa cena. Eu era louco pra pegar qualquer gravação do Rot e sair trocando com os outros pelo Correio.

Você me falou que a banda santista Psychic Possessor foi uma das suas maiores influências, mas que eles não eram bem vistos na época. Por quê?
Porque eles faziam questão de frisar que não eram uma banda de metal. Pra mim foi uma referência em termos de atitude, de ver que dava pra ser inteligente naquele meio. O LP Toxin Diffusion é um clássico pra mim.


Colagem inédita feita por Marcelo Batista há um tempão atrás. Acabou saindo um encarte parecido do Rot depois.

“Grindcore rejeita estruturas e melodias em favor de explosões cruas e violentas de guitarra, baixo e bateria.” No mesmo site de metal de onde saiu a citação anterior, diz-se também que o gênero surgiu com o álbum Scum do Napalm Death de 1987 e que “(...) muitos dos seus expoentes principais se mudaram para o death metal e o industrial. No entanto, a abordagem intransigente do hardcore de como fazer música desconfortável inspirou dezenas de artistas noise experimentais”. O livro Choosing Death: The Improbable History of Death Metal & Grindcore, de Albert Mudrian, clássico sobre o assunto, segue a mesma toada e coloca o Napalm Death como ponto de partida da história.

“O Fear of God era uma banda noise (e não ‘grind’ ou outra coisa do gênero). Nós não queríamos fazer música - nós queríamos destruí-la.” A frase escrita por integrantes do Fear of God para o encarte do vinil duplo Zeitgeist, com toda a discografia do grupo, lançado pela (que coincidência!) gravadora do Marcelo Batista, Absurd Records, polemiza com o termo criado pelo povo do Napalm e busca colocar o FOG em um posição - sempre a mesma ladainha - mais radical. Só que, noise ou grind, chegou a hora do acerto de contas definitivo e a prova por A + B que o barulho é nosso.


Vice: Por que você acha que o grind se desenvolveu tão rápido em tudo quanto é buraco no mundo? Era uma necessidade de comunicação ou era mais falta de público local mesmo?
Marcelo Batista: Um pouco de ambas as coisas. Essa coisa barulhenta era muito mal vista no início, tem história do Fear of God ser recebido com garrafadas em squats lá fora, tinha essa necessidade de conhecer gente de outros lugares. Imagina o Patareni na Croácia? Quantas vezes eles não devem ter sido expulsos do palco? O Bosta Rala? Eles tocavam em festinha de faculdade em Salvador, imagina como não era a recepção? [risos].

Quando você começou o Rot conhecia Brigada do Ódio ou só bandas gringas? Havia referências nacionais?
Eu conheci o Brigada do Ódio um ano depois do disco de 1985 ter saído. No geral, a galera ficou conhecendo o Brigada através do Olho Seco - ninguém levava muito a sério o Brigada. Ninguém tinha noção que eles foram pioneiros. Mas tinha o Atack Epiléptico em BH, Ulster e o Nada do ABC paulista.

E eles foram pioneiros mesmo?
Sim, com certeza. Eles foram o primeiro grupo a colocar 26 sons em um lado de disco. Nessa época o Napalm Death tava tocando punk rock [risos]. Colocar o Brigada dentro do grind aqui no Brasil é um lance que começou no meio dos anos 90, quando começaram a levantar as origens da coisa toda. Pode até ter existido alguém antes, mas ficou só em fita k7 - em LP foi o Brigada o primeiro. Tiveram duas bandas na mesma época do Brigada que só ficaram em ensaios fazendo aquele tipo de som, era o Hellsaw, pré-Agathocles na Bélgica, e o Occult nos Estados Unidos, que deixou gravado dois sons apenas.


Então é isso, gringos: fiquem com a paternidade da invenção do avião e os ingleses podem até ter inventado o futebol, mas o lance é o seguinte: ninguém sabe avacalhar algo melhor do que nós, brasileiros. Grind e noisecore são coisas nossas!






ENTREVISTA COM IDEIACÇÃO

Finalmente!!! Depois de anos de atraso estou postando esta entrevista que realizei faz um longo tempo com esta banda de Lisboa (que já encerrou suas atividades), houve tentativas de lançar esta entrevista em zines que nunca saíram da prancheta, tentativas de lançar as músicas que a banda enviou em algum projeto ou trabalhos em coletivo, perda de contato com os integrantes... enfim mil e uma desculpas à parte segue a entrevista dessa banda que tem muitas idéias interessantes a serem expressas:



01- Primeiramente gostaria que você apresentasse a sua banda aos leitores, citasse quais atividades a banda esta envolvida atualmente, tocam apenas na Ideiacção ou há outras bandas que vocês tocam ?

R: Os Ideiacção aparecerão nos finais de 1997, todos os integrantes estavam envolvidos no funcionamento da Casa Okupada da Praça de Espanha, e pela afinidade que tínhamos resolvemo-nos juntar para dar início a uma banda anarco-punk, nessa altura éramos Rafael (bateria e voz), Pedro (baixo e voz) e Filipe (guitarra), entretanto Filipe sai da banda e o Pedro passa para a guitarra, ficamos alguns meses com a formação reduzida a dois até que entra João, amigo de longa data para o baixo, sendo esta a formação que dura até hoje, embora com muitas interrupções por ausência no estrangeiro alternada de vários membros. Atualmente estamos envolvidos de diversas formas no movimento de ocupação que tem crescido ao longo destes anos, Rafael faz uma editora / distribuidora de música e livros, a Dead Dream Factory. E como indivíduos todos temos ligações com diversos coletivos / projetos de caráter libertário. O Rafael, além do Ideiacção, canta na Etacarinae (uma banda de crust obscuro na onda de His Hero Is Gone) que vai agora editar um split ep com uma banda holandesa chamada Office Killer, canta também em Squander, uma banda emo-crust, onde o João também toca baixo e toca bateria em Mahamudra uma banda de música cósmica / psicodélica de viagem.

02 – Quando estive em Lisboa, no concerto com Simbiose, vocês e Execradores, fiquei sabendo que era a primeira apresentação da Ideiacção, após esta, quantas mais houve e como tem sido os concertos da banda ? Fique livre para comentar sobre isto.

R: Depois do concerto com vocês demos apenas mais um com Sin Dios e Zootic, pois Pedro ausentou-se para a Holanda de onde só agora voltou, a partir de agora começaremos a dar concerto com mais regularidade, em relação aos nossos concertos e a todos os outros que assistimos aqui na okupa da Praça de Espanha, o número de pessoas a assistir é bastante bom, mas infelizmente não é correspondente ao número de indivíduos envolvidos em projetos interessantes, pensamos que por aqui como um pouco por toda parte a maioria das pessoas ligadas na cena punk/hc etc, esta mais interessada em preconceitos, clichês, visual e encaixar em algum tipo de sub cultura do que na profundidade e conteúdo de muitas bandeiras que levantam.

03 - Em Portugal são desenvolvidas atividades junto a straight edges, como são estas atividades ? Há quanto tempo existem ? Já que antes punx e straight edges estavam divididos.

R: Aqui em Portugal nunca houve uma grande divisão entre punx e straight edges, isto é devido ao fato de que quando do início dum movimento punk/hc mais politizado e consciente em Portugal no final dos anos 80, princípio dos 90, tanto SxE como punx sempre trabalharam juntos tanto em centros, coletivos, bandas e inúmeros outros projetos, apenas a meio dos anos 90 quando houve uma explosão por todo lado num sentido mais comercial da cena punk/hc e o número de pessoas aumentou consideravelmente, tanto com o envolvimento superficial e modista, é que se verificou algum afastamento, mas como qualquer moda isto rapidamente passou e as pessoas que se mexem para levar avante projetos interessantes continuam a se juntar independentemente do estilo musical preferido, o punk sempre foi mais do que música, não? É importante ultrapassarmos os preconceitos que definem o que é punk ou o que é SxE, etc... e não nos limitarmos ao que está estabelecido, é óbvio que ambos tem pontos negativos, como por exemplo a tendência dentro do punk a aceitar passivamente a destruição do indivíduo através do consumo de álcool e drogas, ou do SxE que por muitas vezes ignora o caráter político social do movimento HC, mas pensamos que o que é verdadeiramente importante é a nossa evolução como indivíduos conscientes e não a integração nalgum padrão.

04 – Fale sobre os squats portugueses, qual o perfil dos mesmos e quantos existem no momento ?

R: O movimento de okupação tem vindo a crescer e desde a okupação em Lisboa em 96 da casa da Praça de Espanha que dura até hoje funcionando como centro de atividades, há também desde 98 uma okupa na periferia de Lisboa, que é uma casa de habitação com algumas atividades, nomeadamente a sala onde ensaiamos, esporadicamente vão existindo algumas tentativas de okupação, mas infelizmente desocupadas pela polícia como foi mais recentemente a okupa de S. Mamede, okupa no centro de Lisboa já há 07 meses que após uma vitória resistindo ao despejo, acabou por cair com uma intervenção policial surpresa na manhã de 04 de outubro. Neste momento seguem a tentativa de okupação de três novas casas, esperamos que tudo ocorra pelo melhor.



05 – Quais bandas tem atuado em Portugal, quais vocês recomendam ?

R: Bem iremos falar um pouco das bandas que tem já alguns lançamentos e consistência, e que estão mais próximas de nós, claro que existem muitas mais, boas e novas bandas promissoras.
- Ideiacção (he!he!he!): anarco punk como uma mistura de Sin Dios com Quarentine, vários lançamentos para breve.
- Zootic: Emo-Punk HC na linha das bandas francesas como Anomie, tem uma excelente k7 - livreto e novos lançamentos para breve.
- Alien Squad: banda punk / rawk, acabaram de editar um cd 100% d.i.y. punk!!!
- Lov da Xit: poderoso e rápido HC / Punk, bem criativo, tem uma split k7 com Simbiose e novos lançamentos a caminho.
- Simbiose: a banda de crust brutal mais antiga de Portugal, excelente, tem uma demo, uma split demo com OBNI, um split EP / split k7 com Lov da Xit e brevemente um split ep com Croustibat.
- Croustibat: Emo-Power Violence do melhor! Tem uma demo lançada pela editora Dead Dream Factory e para breve um split com Simbiose.
- Sannyasin (ex- X-Acto): HC com muita força, melodia e emoção, com uma abordagem a diversos temos dum ponto de vista político espiritual, muito bom, tem uma excelente demo e para breve um cd na Dead Dream Factory.
- Renewal: brutal barulhento emo new school vegan SxE, tem duas demos, acabou de sair um excelente cd “Repetition Breeds Inertia”, e para breve um split cd / lp com Most Precious Blood (ex- Indecision) na Dead Dream Factory.
- Etakarinae: banda de crust obscuro na linha de His Hero Is Gone, membros de Renewal / Ideiacção, brevemente um split ep Office Killer (Holanda) na Dead Dream Factory.
- Time X: banda SxE old school político rapidíssimo e agressivo, tem duas demos e novos lançamentos para breve.
- New Winds: old school SxE, como uma mistura da melodia de Ignite com a política de Nations On Fire, tem um cd e mais recentemente um álbum em k7 + booklet pela Dead Dream Factory.
Se estiverem interessados em adquirir material destas bandas escrevam para o Rafael / Dead Dream Factory, contato no fim da entrevista.



06 – Foi distribuído mini fanzines no vosso 1º concerto e há lá um texto sobre os horrores do cárcere, vocês conhecem ou tem informações sobre as prisões do 3º mundo, em especial as do Brasil ? Vocês desenvolvem algum trabalho de apoio as vítimas do cárcere ?

R:Temos bastante informações sobre as prisões do 3º mundo, nomeadamente do Brasil, os media fazem questão de noticiar os crimes e atrocidades cometidos pelas forças da ordem e também as revoltas e motins dos presos, obviamente com a intenção de camuflar a verdadeira situação das prisões e dos países ditos desenvolvidos, temos consciência que a violência policial na América do Sul é muito grande, mas que a Europa também não é nenhum paraíso como nos querem fazer crer, por exemplo, Portugal é dos países com menor taxa de criminalidade da União Européia, mas tem das maiores populações prisionais, o número de indivíduos mortos nas prisões rende aos 1000 por ano, vítimas de espancamentos, torturas, doenças, falta de cuidados médicos e suicídio. O Pedro esteve até pouco implicado na Cruz Negra Anarquista, por agora tentamos falar do assunto nas nossas músicas e textos, não participando diretamente num coletivo. Conta da Cruz Negra Anarquista de Lisboa: Apartado 21290/1131 Lisboa Portugal.
e-mail: cna_lisboa@hotmail.com

07 – Falando sobre o Brasil, há pouco tempo atrás estava sendo comemorada a festa dos 500 anos da “descoberta” do Brasil, o que para muitos foi uma afronta aos direitos dos povos negros e indígenas. O que vocês podem dizer sobre isso, até que ponto esta “festa” foi noticiada na imprensa portuguesa ?

R: Esta farsa colonialista foi bastante noticiada por aqui, Portugal está empenhado no projeto da construção da nova Europa, a Europa do humanismo, da tolerância, da cooperação e da multi-cultura, por isso os 500 anos de colonização são algo a ocultar e a festa uma operação de limpeza do sangue derramado, atualmente o colonialismo e o capitalismo é mais rápido e voraz e os estados unem-se nestes projetos vergonhosos para alienar os explorados, integrá-los, fabricando o consenso para que não haja contestação, mas a realidade é bem oposta a esta paz e tolerância, este discurso peace & love dos capitalistas / políticos é construído com mão de ferro, reprimindo movimentos sociais e revolucionários, a propósito dessas festas de celebração multi-cultural basta vir a Lisboa e ver quem trabalha na construção civil e que vive nos guetos lisboetas.

08 – Creio que seja isso, deixo este espaço livre para eventuais considerações, colocações, expor algo que tenham interesse em divulgar, enfim o espaço é vosso...

R: Bem, há muitas questões por colocar que não haverá espaço numa entrevista para abordar, no entanto já que nos movemos no âmbito do punk hc cremos que é importante focar que já que temos uma banda proposta radical de mudança individual / social devíamos verdadeiramente transpor isto para as nossas vidas e condutas, pois infelizmente a tendência são as intrigas, os fanatismos que muitas vezes refletem a superficialidade dum movimento composto por indivíduos que vivem assente em preconceitos, isto de maneira alguma ajuda ao crescimento da transformação e da revolta, mas pelo contrário aumenta as distâncias e crescem os guetos que demonstram a falta de cooperação no mundo punk hc. Ok, é tudo, obrigado por tudo zorel.



Para contatar os Ideiacção:
e-mail: ideiac@hotmail.com Ou escreve para: a/c Rafael Brazuna: Apartado 2116 1103-001 Lisboa / Portugal

Confira os sons da Ideiacção:
http://www.4shared.com/audio/0uW6EHmq/01_Eles_Enganam-Te.html
http://www.4shared.com/audio/c_2kdJqP/02_Vampira_Patronal.htm
http://www.4shared.com/audio/FxdTagPy/03_A_Fria_da_Vida.html

Warcry "When comes the end?" Cd da Turnê Brasileira



A banda Warcry esteve no Brasil no começo do ano de 2010 e passou por várias cidades e estados como SP, RJ, ES, BA, SE e MG fazendo uma extensa turnê. O selo Cinque Records em parceria com outros 09 selos e distros brasileiras lançou um CD que contém 22 músicas da banda que basicamente compôs o repertório do seu ataque sonoro em terras tupiniquins, quem viu a banda ao vivo sabe do que estou falando! Por isso, não perca tempo e adquira o seu CD agora mesmo!

Todo Fim (do Mundo) pressupõe um recomeço!




"Será que vivemos nós os proletários, será que vivemos? Será que os fracos remédios que tomamos não seria a doença que nos corrói?" - Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo

“Convido a todos para uma aventura coletiva de diversão generalizada e de livre interdependente exuberância" - Bob Black

Blocos de guerreiros vestidos de negro enfrentando o aparato repressivo do estado, rizomas de rádios livres e comunitárias se contrapondo a mídia corporativa, levantes camponeses e povos indígenas se insurgindo contra multinacionais, redes de okupas questionando a especulação imobiliária. Ao contrário do que a mídia de massas deseja nos mostrar, o mundo está explodindo em mudanças rápidas e promissoras e cada um destes elementos é mais uma peça no mosaico deste tempo em movimento.

O futuro realmente não é mais como era antigamente, e esta frase nos lembra o quão negro o futuro nos pareceria se não fosse nossa própria capacidade de intervirmos ativamente no que está por vir. A Protopia é a nossa proposta de intervenção neste estado de coisas, num mundo que depende de nossas ações congregadas para que possa existir. O fim da História é um fato cotidiano, aconteceu e ainda acontece todas as vezes que ao invés de assumirmos um papel ativo em seu rumo, cruzamos os braços e deixamos a maré conservadorismo político institucional jogar tudo o que somos no abismo de uma passividade de eleitor-consumidor.

Protopia é a virada da maré, uma estratégia espacial que busca antes de tudo a tomada de um papel ativo na construção de nosso próprio mundo, ao mesmo tempo em que lançamos o barco daqueles que um dia se pensaram como senhores da história contra a solidez de nossa proposta. Transformação radical socio-espacial, é isso o que chamamos de Protopia, simples, e ao mesmo tempo subversivamente complexa:

1 - Desista de esperar pela revolução popular, pelo messianismo comunista e por todos os milagres que prometem as propostas reformistas dos sociais-democratas. (isso nunca vai dar certo e as experiências históricas mostram bem isso).

2 – Fuja de todas as formas de ação espetaculares, já que quando elas não são pró-sistemicas, provavelmente se constituem em alguma forma de escapismo. Abandone igualmente todas as ações que não levam a lugar algum como revolta gratuita e loucura isoladora, depressão e hipocôndria, saber-pelo-saber e arte-pela-arte, etc.

3 – Parta secretamente em busca do Y, da conjunção de vontades, iniciativas e projeções, busque o encontro oculto e se desloque para longe dos centros de poder. Busque outras pessoas de ímpeto livre, constitua formas de ação coletiva até o surgimento de uma comunidade intencional.

4 – Não pague mais impostos, busque investir seus recursos e seu tempo na busca coletiva por autonomia energética, habitacional e alimentícia. Estabeleça relações de troca de bens e serviços com grupos camponeses, ecovilas horizontais, organizações populares e aldeias indígenas.

5 – Dê preferência por tecnologias limpas e renováveis, técnicas em equilíbrio com o meio como a permacultura e o earthship. Quando se é vizinho da sociedade do desperdício, a macro-reciclagem pode ser algo muito interessante. (pneus não são só pneus, mas um monte de coisas em potencial.)

6 – Promova a comunicalidade ao isolamento, se desloque sazonalmente, se inicialmente não for possível viver fora da Máquina em tempo integral, divida seu tempo entre seu velho cotidiano e a criação dessa nova forma de sociabilidade.

7 – Aja pelo crescimento deste rizoma de zonas autônomas, estimule e auxilie outros grupos no surgimento de novas comunidades. Mutualidade, união e troca não têm preço em mundo onde o sistema vence pela hostilidade, pela competitividade e pela divisão, prepare-se para assistir ao surgimento dos enclaves libertários.

8 – Constitua um imaginário local compartilhado, pontos de encontro, grupos de estudos, espaços de vivência, e principalmente, circuitos de festas e dias de celebração. Cada pessoa livre do mundo-cão, e cada pedaço de solo libertado, são por si só motivos a se festejar.

9 – Prepare-se secretamente para a reação do estado e do capital. Assim que a tática for descoberta, pode ter certeza que manejarão seus aparatos de difamação e repressão contra você. Esteja sempre articulado com a rede. Não motive conflitos (antes do tempo), a cada operação de opressão bem sucedida quem marca ponto são eles e não você.

10 – Lance sorrateiramente através da Web propagandas de libertação e popularização do pensamento libertário; manuais de como abandonar o caos capitalista e construir (ou fazer parte de) comunidades autônomas fora do mapa na qual uma vida interdependente possa valer a pena.

Enquanto iniciativa o Protopia está em permanente reconstituição. É aberto a todos que queiram efetivamente participar, e todos que possam se identificar com a proposta e que queiram tomar parte nela são bem vindos. Estamos no início de tudo e qualquer um pode contribuir com as suas próprias idéias ou ações, ou como bem entender

Os Dramas da Liberdade



A teoria sartreana do ser-para-si conduz a uma teoria da liberdade. O ser-para-si define-se como ação e primeira condição da ação é liberdade. O que está na base da existência é a livre escolha que cada homem faz de si mesmo e de sua maneira de ser livre. O em-si, sendo simplesmente aquilo que é, não pode ser livre. A liberdade provém do nada que obriga que obriga o homem a fazer-se, em lugar de apenas ser. Desse princípio decorre a doutrina de Sartre, segundo a qual o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não tem sentido as pessoas quererem atribuir suas falhas a fatores externos, como a hereditariedade ou a ação do meio ambiente ou a influência de outras pessoas. Por outro lado, a autonomia da liberdade, enquanto determinação fundamental e radical do ser-para-si, vale dizer do homem, faz da doutrina existencialista uma filosofia que prescinde inteiramente da idéia de Deus. Sartre tira todas as conseqüências desse ateísmo, eliminando qualquer fundamento sobrenatural para os valores: é o homem que os cria. A vida não tem sentido algum antes e independentemente do fato de o homem viver; o valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo sartreano é uma radical forma de humanismo, suprimindo a necessidade de Deus e colocando o próprio homem como criador de todos os valores.
Ao lado das análises volumosas e rigorosamente técnicas de O Ser e o Nada, nas quais se encontra exposta a filosofia existencialista, Sartre expressou seu pensamento através de várias obras literárias, que o colocam como um dos maiores escritores do século XX. Nelas encontram-se todos os temas fundamentais de sua concepção do homem, realizados nos planos concretos da personagem, suas ações e suas situações existenciais.
Antoine Roquentin, personagem principal de A Náusea (1938), vive sozinho, sem amigos, sem amante, nada lhe importando, nem sequer os outros homens, nem ele mesmo; o mundo para ele não tem nenhuma razão de ser e é absurdo porque composto de seres em-si: a cidade, o jardim, as árvores.
Pablo Ibietta, republicano espanhol, personagem central de O Muro, vive uma das “situações-limite” descritas por Sartre: momentos de intensificação de conflitos sociais e individuais, quando o homem é obrigado a fazer uma escolha e afirmar sua liberdade sua liberdade radical. Pablo Ibietta, preso e torturado pelos fascistas de Franco, vê postas à prova as virtudes da coragem, fidelidade e sangue-frio. O próprio Sartre viveu uma dessas “situações-limite”, quando preso num campo de concentração nazista, em 1940, do qual conseguiu fugir, fazendo sua escolha: participar da resistência ao invasor alemão.
O problema da ação e da liberdade constitui o tema da trilogia de romances Os Caminhos da Liberdade. No primeiro, A Idade da Razão (1945), as questões individuais predominam, a história e a política são panos de fundo. Mathieu Delorme, jovem professor de filosofia, procura a liberdade pura, sem compromisso de qualquer espécie; Brunet, ao contrário, personifica a renúncia da liberdade pessoal em favor do engajamento político; Daniel ilustra a tese gideana da liberdade como ato gratuito, sem qualquer motivo; Jacques abandona os sonhos juvenis de liberdade para casar-se, ter um trabalho, viver uma vida “regular”. No segundo volume da trilogia, Sursis (1945), os acontecimentos políticos revelam que os projetos de vida individuais são, na verdade, determinados pelo curso da história, tornando-se ilusória a busca da liberdade num plano puramente pessoal: a liberdade é sempre vivida “em situação” e realizada no engajamento de projetos voltados para interesses humanos comunitários. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à existência individual. Em Com a Morte na Alma (1949), último romance da trilogia, Mathieu ilustra a tese do engajamento gratuito; ele arrisca a própria vida apenas para retardar algumas horas a investida das tropas alemães.
Outras obras literárias de Sartre ilustram as teses existencialistas. Canoris, personagem da peça Mortos Sem Sepultura (1946), é um homem de ação, pronto para enfrentar a morte pela causa da liberdade. Hugo, nas Mãos Sujas (1948), é um intelectual da classe média, engajado no Partido Comunista, não por convicção, mas para satisfazer sua necessidade de ação. Na peça O Diabo e o Bom Deus (1951), Goetz é um nobre da Idade Média que abandona seus privilégios para fazer o bem aos camponeses. Inspirados nesse exemplo, os camponeses rebelam-se contra todos os senhores feudais e empregam a violência. Goetz acaba por concluir que, para transformar o mundo, a violência, as vezes, é necessária; é preciso “ter as mãos sujas”, para combater a opressão; o Bem abstrato e sobrenatural nada consegue realizar, só o próprio homem é criador de sua liberdade.

Sartre, Jean Paul. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. XI e XII.